Quem pensa com clareza escreve com clareza
O esforço necessário para se encontrar a simplicidade.
Faz uns dias terminei a leitura de On Writing Well, um belíssimo livro de William Zinsser com diversas lições práticas e razoáveis sobre a técnica da escrita. Desse livro tenho muito a falar – pois seus desdobramentos são inúmeros – mas hoje pretendo focar naquilo que julgo ser o principal aprendizado.
Em um determinado momento do livro, Zinsser dá conselhos práticos para se escrever sobre diversos temas: esportes, arte, business e até ciência e tecnologia. Este último me interessa particularmente pois é o tema mais recorrente em meus textos, muitas vezes publicados em outra newsletter chamada Code Capital. Diz o autor:
Anyone who thinks clearly can write clearly, about anything at all.
Essa premissa lógica, tão simples quanto verdadeira, concentra toda a razão pela qual sou um grande defensor de se escrever. Se é verdade que quem pensa com clareza escreve com clareza, também é que quem escreve com clareza pensa com clareza. Ou seja, o esforço da escrita, aqueles momentos angustiantes onde buscamos a palavra ideal e a cadência adequada, tudo isso são impostos que pagamos à vontade de compreender um assunto.
No caso da escrita técnica, a desculpa de que tal tema é "difícil demais para as massas" não concede um alvará para que se escreva de forma confusa. Mais comumente do que parece, essa falta de simplicidade denuncia uma incompreensão do tema ou dissimulação proposital.
É famoso entre programadores o termo rubber duck debugging. Tal técnica consiste em, diante de um problema num código, tentar explicar o que está acontecendo a um pato de borracha. Na maior parte das vezes, esse ato um tanto constrangedor de falar com um brinquedo ordena nossos pensamentos, de modo que o mero ato de tentar explicar o problema revela como que magicamente sua solução.
Uma das minhas técnicas favoritas quando alguém recorre a mim pedindo auxílio para corrigir um bug é solicitar educadamente que a pessoa primeiro descreva o problema. Você não acreditaria quantas vezes a pessoa realiza a solução antes mesmo de terminar de descrevê-lo.
Esse princípio se aplica de forma ainda mais crítica fora do tecnicismo. Em Sem linguagem não há liberdade, começo o texto com a reflexão: por que devemos dominar a linguagem? E tomando emprestado contos de Gogol e Turguêniev, concluo que aqueles incapazes de se expressar terminam tendo seus desejos tolhidos. Akáki Akakievitch, personagem de O Capote, não articula os pensamentos e termina subjugado.
Mas nem sempre a incapacidade de se expressar com clareza é um defeito; o maior perigo é quando isso se torna uma artimanha. Se é verdade que o honesto, buscando ser compreendido, se vale da simplicidade, o manipulador, que quer dissimular, triunfará na complexidade.
Esse efeito é particularmente presente em textos jornalísticos ou propagandísticos, quando se aplicam truques como eufemismos, ou retira-se ao sujeito de uma frase para ocultar o responsável ("houve mortes", sim, mas quem as causou?). O linguajar marxista, a dialética hegeliana e panfletos revolucionários no geral fartam-se nesse tipo de comunicação, que a todo momento evoca emoção e oculta sua intenção.
Eis porque os melhores escritores rejeitam firmemente qualquer tipo de adorno desnecessário em seus textos. "O floreio é uma ofensa ao pensamento, ou então é um expediente para esconder sua vacuidade", diz Pe. Sertillanges n'A Vida Intelectual. Voltando a On Writing Well, o autor é taxativo: "Clutter is political correctness gone amok."
Assim então devemos encarar a escrita, como uma forma de ordenação dos pensamentos, um exercício constante de se apreender algo da realidade. Com o perdão da circularidade, este foi o meu objetivo ao escrever essas linhas: sedimentar aquilo que ressonou como verdadeiro quando terminei a leitura do livro de William Zinsser. E se esse texto foi compreensível para você, então fui bem sucedido nessa tarefa.