O Evangelho de Lucas de hoje é daqueles que tem o poder de refutar múltiplas ideologias e heresias de forma definitiva. Não canso de me maravilhar com certos trechos das Escrituras que são tão providenciais que parecem ter sido deixados propositalmente para nosso auxílio, ainda que dois mil anos tenham se passado. De fato foram, e esse tipo de conhecimento profético só poderia existir numa doutrina que transcendesse a realidade; mas deixemos esse assunto para outro dia.
A parábola do pobre Lázaro e do homem rico chega a incomodar. Sua austeridade assusta, ao mesmo tempo que alivia. Existe um Deus justo que está olhando por nós, a todo momento. Qualquer que seja nossa cruz, ela não está passando desapercebida. Todos os nossos fios de cabelo estão contados (Mt 10, 30). Essa é a realidade que Jesus revela aos fariseus ao contar a história de Lázaro, que mendigava em frente ao palácio do homem rico, tendo por companhia cachorros que lhe lambiam as feridas, mas que por ser pobre de espírito foi admitido no Reino do Céu (Mt 5, 3).
Se essa realidade é animadora, é impossível não sentir um frio na espinha com o desfecho do homem rico. Sofrendo as tormentas do fogo, o homem faz três pedidos: que lhe seja dado água para refrescar a língua, que se avise aos irmãos sobre o destino pós-morte, e que um morto ressuscite para que a mensagem seja assimilada por sua família. Vejam como os três pedidos parecem justos, no sentido de que o homem sofria de verdade e pedia um refrigério simples e, aparentemente, misericordioso: "Pai Abraão, tem piedade de mim! Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua (Lc 16, 27)", suplica. Depois, compadece-se dos irmãos e insiste que sejam avisados do terror que aguarda os pecadores.
Porém, o rico já não vive mais o tempo da misericórdia – mas o tempo da justiça. A doutrina de Jesus aqui é translúcida: orai e fazei penitência, arrependei-vos dos vossos pecados, pois o Reino dos Céus está próximo. A proximidade do dia do Juízo é encontrada em todos os Evangelhos sinóticos. E a consequência para aqueles que ignorarem essa realidade é retratada de forma sufocante nessa parábola.
Saibamos, portanto, que Deus é misericordioso, mas também é justo. É uma questão de justiça que os bons sejam contemplados e os maus punidos. É comum hoje em dia que o inferno seja minimizado, mas rogo-te que medites as palavras do homem rico, trazidas de Jesus por São Lucas; seriam tais palavras, ditas pelo próprio Verbo Encarnado, levianas? Estarias disposto a confiardes o teu destino nisso?
A Quaresma é um tempo especial de conversão, onde olhamos para nossa miséria mas confiamos na misericórdia de Deus. Que bom que estamos aqui para mais uma Quaresma! Nosso tempo ainda não se esgotou, e o Reino de Deus, onde vivem Lázaro e Abraão, ainda é uma possibilidade. Não desperdicemos o tempo que nos resta iludidos por ideologias que contrariam frontalmente os ensinamentos de Jesus; se não nos convertermos a tempo, não existirá paráclito em nossa defesa. Pois recebemos as palavras de Moisés e duvidamos. Ouvimos os profetas, mas ignoramos. Por fim o próprio Jesus revelou-nos o caminho, mas desprezamos-no. Não haverá apelação capaz de nos proteger da voz que se erguerá de modo terrível, porém justo: recebestes todos os sinais, mas decidistes não acreditar.