Eu não acredito em meta de leitura, pelo menos não de páginas. Muito mais proveitoso é uma meta de tempo, uma vez que livros diferentes tem densidades diferentes, e portanto necessitam de mais ou menos meditações, reflexões, etc.
Dito isso, não deixa de ser um exercício interessante olhar para trás e ver os livros lidos no ano, ato esse que suscita uma certa nostalgia, quase como se olhássemos álbuns de fotos antigas – lembramo-nos das amizades que fizemos esse ano.
No ano de 2024 eu li 14 livros, a maior parte deles clássicos. Esses livros tem o poder de contar um pedaço da realidade, algo único, mas verdadeiro, que o autor teve a felicidade de captar. Por isso não me importo tanto com número de livros: aqui vale a máxima de qualidade e não quantidade.
Eis a lista em ordem de finalização:
1 - The Magic Mountain
Conta a história de um homem e sua estada em um sanatório, buscando recuperar sua saúde. Longo mas excelente romance, riquíssimo em diálogos onde Thomas Mann, o autor, encarna as filosofias correntes da época em debates densos que ocorrem em caminhadas ao ar livre nos gélidos Alpes suíços.
2 - Liberdade ou Igualdade
Descrição maravilhosa dos maiores problemas da democracia, uma defesa da monarquia sem saudosismos baratos, e principalmente, uma defesa da Igreja Católica como figura central da restauração da ordem.
3 - Memórias do Subsolo
Primeiro romance que li de Dostoiévski, uma boa forma de começar nas obras desse autor, que costumam ser grandes e densas. Aqui o autor esboça muitas de suas ideias que são expandidas em outros livros, sempre com aquele tom melancólico e angustiante que de certa forma representou a sua vida.
4 - Crime e Castigo
Obra prima de Dostoiévski, conta a história de Raskólnikov e é muito representativo dos dias atuais. Poucos conseguem captar as emoções humanas como Dostoiévski, e o romance é repleto dessas excursões ao íntimo de nossas almas através das angústias de cada personagem. Sem dúvida um livro longo mas que vale a pena para todos, e se tivesse que escolher, provavelmente o melhor que li esse ano.
5 - Hereges
Primeiro livro da "trilogia" de Chesterton (que contém também Ortodoxia e O Homem Eterno, ambos já lidos), onde o autor "ataca", sempre com seu tom bem-humorado e respeitoso, as principais heresias da sua época (Inglaterra no início do século XX). Chesterton é o GOAT quando o assunto é tratar de modernidade e religião sem ser maçante e pretensioso, e aqui mais uma vez seus textos se revelam proféticos.
6 - Madame Bovary
Aqui iniciei minha incursão nos romances franceses com a obra de Flaubert. Livro excelente que indico para todos (principalmente, mas não somente, mulheres), pois retrata com exatidão profética diversas armadilhas que a personagem principal, Emma Bovary, enfrenta numa sociedade burguesa em formação, com diversas similaridades com os tempos modernos.
7 - O Pai Goriot
Excelente livro de Balzac, retrata a incompatibilidade burguesa e aristocrática, também descendo em profundas análises psicológicas. O velho Goriot, pai de duas belas moças que se inserem na sociedade aristocrática, descobre a duras penas que nem muito dinheiro é capaz de estreitar a ponte que separa esses dois mundos.
8 - Atomic Habits
Famoso livro de produtividade, dois quais temos a impressão de já saber todo o conteúdo de tanto que ouvimos certas coisas sobre ele aqui e ali. Essa impressão não é errada. Ainda assim, o livro conta com dicas interessantes e práticas que acredito a maior parte das pessoas pode se beneficiar.
9 - O Vermelho e o Negro
Mais um romance francês sobre as tensões sociais do início do século XIX, dessa vez narrado por Stendhal. Julien Sorel é um jovem ambicioso, mas pobre e burguês, que luta para ascender na sociedade pós-Napoleão. Dividido entre a glória militar (vermelho) e a austeridade clerical (negro), Julien simboliza muito da mentalidade revolucionária da época.
10 - O Jogador
Curto romance de Dostoiévski que, frente aos que ele já escreveu, francamente passa despercebido. Ainda assim, é impossível não notar (mais uma vez) a capacidade profética do autor, que ainda que não faça uma condenação explícita da jogatina, retrata bem a espiral da destruição que alguém pode se enfiar (tema em alta na sociedade atual).
11 - Ilusões Perdidas
Advinha? Mais um romance francês sobre conflitos sociais, embora aqui o tom melancólico seja um pouco maior, uma vez que acompanhamos a ascensão e queda de Lucien Chardon, um jovem inicialmente bem-intencionado mas que sucumbe à corrupção da imprensa e da política (sounds familiar?)
12 - Deep Work
Mais um famoso livro de produtividade, Deep Work também se destaca por reflexões certeiras sobre características do trabalho intelectual, comum nos dias de hoje. Embora o livro não contenha grandes descobertas e utiliza a ciência como base para provar o que todos já sabem empiricamente, há aqui insights que valem a pena para aqueles que querem minimizar as distrações no mundo atual.
13 - Ilíada
Antes tarde do que nunca li o clássico dos clássicos, o épico de Homero que conta a história da invasão de Tróia pelos Aqueus, e em particular a história de Aquiles. Livro que serviu de base para muito da literatura ocidental e de leitura mais fácil do que à primeira vista poderíamos achar, vale a pena para todos aqueles que querem conhecer mais sobre a origem da nossa sociedade.
14 - Democracia, o deus que falhou
Finalmente, o livro de Hans-Hermann Hoppe é o complemento que faltava às ideias de Erik Von Kuehnelt-Leddihn em Liberdade ou Igualdade. Aqui Hoppe toma uma abordagem mais econômica e liberal do que Kuehnelt-Leddihn, que apela mais às bases morais e filosóficas da política. Francamente, Hoppe jogou a pá-de-cal em qualquer expectativa que eu pudesse ter sobre o funcionamento da democracia (já eram mínimas). Ele prova de forma lógica e praticamente irrefutável como esse sistema político é nocivo por design e que enquanto não houver uma deslegitimação da democracia frente à opinião pública, não temos absolutamente nenhuma chance de melhora.
O que vem em 2025? Pretendo seguir em tópicos semelhantes. De Dostoiévski ainda restam muitos livros, como Os Demônios, O Idiota e Irmãos Karamazov. Dos franceses ainda pretendo ler algo mais de Balzac e Stendhal e dos gregos estou para finalizar A Odisseia (superando as expectativas, que já eram altas) e quem sabe me aprofundar em algumas comédias e tragédias antigas.
Já nesse tema filosófico-político, pretendo continuar a ler mais Erik Von Kuehnelt-Leddihn, que considero mais alinhado com meus pensamentos que Hoppe e seus amigos libertários.
Infelizmente de Chesterton pouco me resta, mas quero revisitar muitos de seus livros já lidos – em especial Ortodoxia, livro este que pertence à rara estirpe de obras que se tornam melhores a cada nova releitura.
QUI TIMET DOMINUM NIHIL TREPIDAVIT