Havia algo naquele padre que parecia estar estranhamente fora do lugar. Alto, esguio, coberto de preto; uma cabeça aristocrática ostentando duas faixas de cabelo laterais e um espaço vazio no meio, segredo ocultado por uma boina de tweed incomum que eventualmente ostentava.
Incomum, sim, pois o padre estava em Cuiabá. Debaixo de um sol indolente numa cidade sem sombras, aquele vestuário parecia anunciar um italiano, um alemão – e de fato anunciava.
Não porque o padre fosse europeu (ele nasceu em Recife), mas por ser essa sua herança. Quem ouvisse suas aulas testemunharia um homem que trocava do latim para o hebraico como quem troca de marcha – sem esforço, com naturalidade, quase distraído.
Esse é o padre Paulo Ricardo, nascido para a alta cultura mas presente onde ela parece ter sido abandonada. Não que seja culpa de Cuiabá: seus moradores são simpáticos e acolhedores, as bebidas estão sempre geladas mesmo com o ar sufocante (gostaria de entender como eles fazem!), e a culinária é farta e saborosa. Mas existe uma incivilidade nesse calor que não combina com o homem de preto, boina, e que fala latim.
A maior parte das pessoas conhece o padre Paulo Ricardo por suas aulas, homilias e cursos. Presente na internet há 19 anos, não é exagero sugerir que uma geração inteira de católicos brasileiros foi catequizada por ele. Responsável por vídeos onde explica com precisão cirúrgica os detalhes da doutrina, marcado por uma defesa convicta da fé da Igreja em tempos de ecumenismo, ele se tornou inevitável para qualquer um que deseja entender o que é o catolicismo.
Desse fato eu mesmo sou testemunha. Conheci-o através de um curso sobre marxismo cultural, publicado em 2012, onde me surpreendi com a lucidez de pensamento e honestidade intelectual daquele padre, sempre disposto a retratar a verdade ainda que para isso precisasse criticar a própria Igreja que lhe acolhera – nunca por ingratidão, mas por amor filial.
No entanto, não é um fenômeno particular. Observá-lo cumprimentar, um a um, os presentes num auditório lotado – pessoas que vieram de todos os cantos do Brasil para serem testemunhas de que aquele homem existe, muitos com lágrimas nos olhos, tanto homens barbados quanto senhoras parecendo crianças assistindo ao Papai Noel descer pela chaminé – já deixa claro que se trata de alguém especial.
Mas não resisto em dar um toque pessoal. Ao vê-lo se aproximar lentamente, cumprimentando a todos com um sorriso simpático, pensei em tudo que queria lhe falar. Queria agradecê-lo por ter me apresentado ao catolicismo real; por ter tirado dúvidas que eu nem sabia que tinha; por ter me mostrado que existe um sentido nessa vida além de trabalhar; por chacoalhar-me pelos ombros lembrando-me da minha ingratidão por aquele que morreu por mim na cruz; por ter me reconduzido à casa do Pai; enfim, por ter me resgatado mesmo sem eu ter pedido ajuda. E ainda assim, quando ele se aproximou para cumprimentar a mim e a minha esposa, todos esses agradecimentos ficaram presos na garganta, e talvez apertar a sua mão com um olhar abobado tenha sido o maior dos elogios, pois ali entendi o que é de fato "ficar sem palavras".
Enquanto ministrava o curso, o padre parecia estar em seu habitat natural. Destilando naturalmente sua erudição, falava com um toque teatral que não tinha nada de falso – apenas uma retórica meticulosamente preparada para chamar atenção para os pontos principais. Elevava o tom quando era necessário um choque de realidade, emocionava-se quando contemplávamos um mistério de amor... sua voz tremia e embargava, o nariz avermelhava e os olhos marejavam, e quando parecia que cairíamos todos em um choro coletivo, ele se recompunha e seguia a aula normalmente.
Porém, foi a oportunidade de vê-lo celebrando a santa missa o que mais me chocou. Aquele homem, que parecia destinado a presidir grandes catedrais, atrair multidões e elevá-las com sua retórica impecável, parecia novamente deslocado numa capela humilde, de alvenaria, com ventiladores circulando nas paredes – ali, onde não seria exagero dizer ter sido onde Judas perdeu as botas.
Ali, auxiliado por piedosas mulheres que falavam o português errado, interrompido eventualmente pelo carro de som que tocava funk no último volume, ele se sentava como um Anchieta moderno, o novo apóstolo do Brasil, catequizando os bárbaros de nosso tempo. Seus gestos eram ágeis, sentava ereto e os olhos mal piscavam, atentos. Havia algo de tenso em seus modos, tensão que só desapareceu quando chegou a hora da homilia. Nesse momento ele voltava aos modos normais, o sorriso simpático reaparecia e todos nós relaxávamos com ele.
Eis o padre Paulo Ricardo. Nascido nos Estados Unidos de Pernambuco, morador da República de Cuiabá, um vigário comum que celebra missas em paróquias sem nenhuma pompa, e esconde-se parte do dia nos confessionários. Perseguido pela Igreja, perseguido pelo governo, um desavisado se espantaria ao conhecê-lo. "É esse o homem de que todos falam?", suspeitaria. Pois aquele homem está deslocado. Seu lugar não é o sagrado Vaticano nem a opressiva Cuiabá – mas a santa cidade, a nova Jerusalém.