No Evangelho de Mateus de hoje, sexta-feira de Quaresma, Cristo nos fala de um diferente tipo de justiça. Não a justiça dos homens, ou até mesmo a justiça protocolar dos fariseus e mestres da Lei, mas a justiça divina.
Décadas e décadas de positivismo transformaram o brasileiro em um grande legalista. A sociedade acostumou-se a entender como certo aquilo que está escrito, e errado aquilo que não está. Ironicamente, muitos desses são os primeiros a reclamar da constituição, ou a criticar os adeptos da Sola Scriptura.
Em primeiro lugar é necessário entender que a lei dos homens não é a lei de Deus e que os mandamentos não são o código penal. Muitos pensam que "se não matei nem roubei, então certamente irei para o Céu", esquecendo-se que Nosso Senhor pede muito mais que isso.
Mesmo dentre os que não estão em pecado mortal e comungam de forma lícita, a caminhada não para por aí. Quando Santa Teresa de Ávila nos propõe suas sete moradas, é impossível adentrar o castelo, ou seja, subir à primeira morada, sem que se esteja em estado de graça. Ou seja: estarmos em comunhão com Deus e a Igreja é o passo zero, condição sina qua non.
“As pessoas em pecado mortal estão fora do castelo. Na porta há muitos répteis, e eu imagino que essas almas estão tão acostumadas a viver entre eles que quase não sentem os maus odores. E, porque estão tão mergulhadas no mundo, não encontram remédio para isso.” – Primeiras moradas, capítulo 1.
Portanto, Cristo nos ensina a ir além, buscar mais. Não basta seguir o que está escrito de forma mecânica ("não matarás"), mas é necessário dominar a irascibilidade, reconciliar-se com o inimigo. Em suma, mais do que justiça, Jesus pede-nos caridade.
Cristo vale-se de palavras fortes: não subas ao altar, nem apresentes a tua oferta, se não estiveres com o coração leve. É evidente: como poderíamos encontrar-nos com o Deus de amor carregando sentimentos tão incompatíveis? Como poderíamos acolhê-Lo, ainda que por poucos minutos enquanto a hóstia faz seu caminho pelo nosso organismo, se ali Ele encontrasse raiva, ódio e rancor?
E pensar que muitos ainda se escandalizam quando veneramos Nossa Senhora (hiperdulia). Como poderia ser diferente? Como podemos ser tão ousados em desprezar alguém que foi tão pura que o Deus encarnado julgou conveniente tomar-lhe como morada? Como podemos acreditar que nada a diferencia, que não existe nada ali que possamos aprender e buscar inspiração? Como achar que as palavras derradeiras "eis aí a tua mãe" são desprovidas de significância, senão uma herança do Redentor para nós, como exemplo de virtude, pureza de coração, e castidade?
Precisamos fazer muito mais do que seguir a constituição. E não são regrinhas da Igreja que pautarão nosso comportamento, mas a atitude típica de Santa Teresa de progredir espiritualmente até a união plena com Deus, quando enfim deixaremos no altar nossa oferta junto com o incenso trazido pelos anjos.